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MEMÓRIAS DO LEGISLATIVO CUIABANO
15/03/2024
A criação da Câmara Municipal de Cuiabá: instala-se uma Vila e cria-se uma Câmara
Terra da Conquista, de Carlos Alberto Rosa
Nos dois artigos anteriores tratamos das circunstâncias relacionadas à descoberta das minas do Cuiabá e a elevação do arraial à categoria de vila. Neste artigo nós iremos apresentar uma das principais características das vilas no período colonial, que era a existência de órgãos e cargos políticos, jurídicos e administrativos, a exemplo, as câmaras municipais, em especial a Câmara de Cuiabá e os seus vereadores, estes objetos do artigo.
A fim de apresentar a passagem de criação da Câmara de Cuiabá com as suas atribuições e formação inicial, contamos com a entrevista e produção historiográfica da historiadora Nauk Maria de Jesus e o obra O poder metropolitano em Cuiabá (1727-1752), resultado da tese de doutorado do historiador Otávio Canavarros.
Conforme vimos no segundo artigo dessa série sobre a criação da Câmara de Cuiabá, o capitão-general Rodrigo César de Menezes, então governador da capitania de São Paulo, disposto a seguir as ordens reais, como um fiel escudeiro do rei português, elevou o arraial cuiabano à categoria de vila no primeiro dia do ano de 1727, a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e enquanto esteve em Cuiabá (até junho de 1728), cuidou de estruturar a administração local.
Instalada uma nova vila passa-se à instalação da sua administração, o que já fazia parte de uma prática antiga e bem-sucedida da monarquia portuguesa na Ásia, África e América. No continente americano, a câmara mais antiga foi a de São Vicente, SP, criada em 1532. As longas distâncias em um período em que a comunicação dava-se através do deslocamento de pessoas em barcos, no lombo de animais ou a pé, forçava a necessidade de estabelecer elementos políticos e administrativos nas vilas que cuidassem das questões locais, sendo assim mais eficiente. A historiadora Nauk de Jesus afirma que as câmaras municipais representavam o poder local nas vilas. Dentre suas tantas atribuições estava a de regulamentar os ofícios mecânicos taxar os impostos administrar os bens da municipalidade e as receitas e despesas construir e conservar obras públicas, tais como edifícios, estradas, pontes e calçadas cuidar da limpeza das ruas, da conservação das praças, do abastecimento de água, do comércio de gêneros alimentícios, da saúde dos moradores, da circulação urbana. 
A Câmara de Cuiabá foi criada no contexto de elevação do arraial à categoria de vila. Ela foi composta obedecendo a forma clássica prevista nas Ordenações do reino (leis gerais), contando com dois juízes ordinários, três vereadores, um procurador, dois almotacés, escrivão e porteiro. Para que possamos traçar uma comparação entre as atribuições dos vereadores atualmente e nesse período, não discutiremos as atribuições dos outros ocupantes da Câmara. 
Os vereadores em Cuiabá, afirma Otávio Canavarros, tinham fundamentalmente o papel de elaborar o código de posturas da vila zelar pelo seu cumprimento. Cuidavam da gestão dos bens municipais e supervisão das obras públicas ou de particulares e, às vezes, julgavam pequenas causas. O mandato de um vereador era de três anos. Para tornar-se um vereador era necessário ser enquadrado na figura dos “homens bons”, ser no caso um proprietário de terras, católico, ser enfim um homem reconhecidamente distinto na comunidade. Era desde esse período uma função importante, que de acordo com Nauk de Jesus, era a porta de entrada para o mundo da política, abrindo um importante e cobiçado espaço que possibilitava a ascensão social. 
Percebe-se que os vereadores nesse período cumpriam, com os demais membros da câmara, funções administrativas, legislativas e às vezes judiciárias, um papel bem mais abrangente do que atualmente, que constitui em legislar e fiscalizar a administração pública exercida pelas prefeituras.
Como parte do recorte histórico é importante conhecer quais homens foram os primeiros vereadores da Câmara de Cuiabá e a sua origem. Seus nomes estão na ata de fundação da Vila do Cuiabá de 1727. São eles: Marcos Soares de Faria (português), Francisco Xavier de Mattos (paulista) e João de Oliveira Garcia (paulista). Embora fosse português, Marcos Soares de Faria tinha laços familiares com paulistas. A escolha por paulistas demonstra o reconhecimento metropolitano pelo trabalho bandeirante e a prudência de tê-los como aliados ao rei em um período de acertos limítrofes com a Espanha.
No decorrer da leitura dos três artigos dessa série sobre a criação da Câmara de Cuiabá, nós podemos concluir que a instituição exerceu, ao menos até a criação da Capitania de Mato Grosso (1748) e a sua capital, Vila Bela da Santíssima Trindade (1752) o papel de principal representante metropolitano em terras até então espanholas. Pode-se entender que o aparato administrativo que Rodrigo César de Menezes instalou em Cuiabá exerceu atividades de forma clandestina, na medida em que não estava em solo reconhecidamente português.
A historiadora Nauk de Jesus reconhece que a Câmara de Cuiabá contribuiu de sobremaneira para a defesa e manutenção da fronteira em litígio com os espanhóis. No momento da discussão das fronteiras no Tratado de Madri (1750) suscitou-se o uti possidetis, um princípio do direito internacional que justifica o direito ao território àquele que o ocupa. Conclui-se que o papel desempenhado pela Câmara de Cuiabá deu vantagem ao alargamento do território do império português.
A Câmara Municipal de Cuiabá aproxima-se do seu tricentenário e o propósito da coluna Memórias do Legislativo Cuiabano é divulgar a história da instituição no decorrer desses três séculos, e foi importante trazer os primórdios da Câmara de Cuiabá para que possamos conhecer e valorizar uma instituição que no contexto de uma gestão municipalista, envolve-se há século no cotidiano da cidade.

Fontes de pesquisa:
CANAVARROS, Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá: (1727-1752). Cuiabá- MT: Entrelinhas, 2019.
JESUS, Maria de Jesus. Entrevista em 26 de fevereiro de 2024.
JESUS, Maria de Jesus. A Câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá: um breve panorama (1727-1800). Dourados – MS, Fronteiras, 2008.


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